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“Sentei-me na carruagem uns minutos antes da partida, folheando um jornal diário e olhando a manhã azul que se estendia sobre a gare do Oriente.

De repente, a minha atenção é captada por uma mulher que se senta num dos lugares opostos do corredor, num banco virado para mim. Teria cerca de quarenta anos, calculei, enquanto a via arrumar as suas coisas e sentar-se. Era uma mulher belíssima: cabelo longo ruivo e bonito, roupas sofisticadas, uns olhos esverdeados sob os óculos escuros que acabava de retirar.

Notavam-se aqui e ali pequenos excessos de moda, embora toleráveis a uma mulher bonita que as usava com o mesmo bom gosto com que usava o seu encanto natural.

Quando era miúdo, um dos muitos filmes que me marcou foi o Shangai Express, com Marlène Dietrich, um filme dos anos trinta de Josef von Sternberg. Esse filme criou para sempre em mim, no início da adolescência, o mito da mulher misteriosa. A mulher misteriosa que viaja sozinha num comboio, a sua beleza enigmática e o destino desconhecido para o qual se dirige. Suponho que mais tarde alarguei este conceito a outros meios de transporte nos quais viajei, mas o comboio era a mística original.

Strangers on a train, de Hitchcock sempre foi para mim um dos mais bonitos títulos do cinema, a expressão desse enigmático ponto de encontro para viajar.

Cada uma das mulheres bonitas que recordo ter encontrado a viajar sozinha era encaixada num sonho romântico com formas de película a preto e branco, num recanto da minha imaginação. Só que esta mulher com quem viajei, fez cair esse mito que armazenara no meu íntimo desde a adolescência.

Mal o comboio saiu da gare do Oriente, pegou no seu telemóvel Nokia de linhas estranhas, um modelo que eu desconhecia, e começou a fazer chamada atrás de chamada.

Olá, saí há dois minutos. Assim foi a viagem até ao Porto.

Chamadas e mais chamadas, longos minutos de conversa frívola e irritante. Será que Shangai Lily, a personagem de Dietrich, e as outras mulheres solitárias com que viajei no grande écran, teriam pensamentos e conversas íntimas assim, apenas cerceadas pela inexistência de um meio de comunicação apropriado? Levantei-me e fui fumar um último cigarro, deixando aquela revoada de palavras para trás, junto com os mitos e os fantasmas do passado.”




In: Asas de borboleta
Autor//Anónimo Sonhador
Não procures fora... olha-te bem dentro e descobrirás todo o universo.

De facto as novas tecnologias têm vantagens: em situação de perigo, ajudam a encontrar ajuda.
Mas também servem para distanciar as pessoas umas das outras.
A religião do futuro será cósmica e transcenderá um Deus pessoal, evitando os dogmas e a teologia.
(Albert Einstein)