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Este texto procura mostrar que o poliamor, que a priori parece uma perspectiva de vanguarda, uma saída para novas formas de amar sem o sentimento de posse e exclusividade habitual no amor romântico, na verdade vem ao encontro da dificuldade do homem pós-moderno de amar, de se entregar ao amor que é sempre um risco. O poliamor garante a disponibilidade de afeto e sexo sem esse risco, e o isenta de uma suposta solidão vivenciada pelo casal monogâmico. Enfim, o poliamor parece contemplar a simbologia líquida postulada por Zygmunt Bauman do superficial, do desapego, do efêmero da pós-modernidade.

Poliamor: a garantia afetivo/sexual sem os riscos do amor monogâmico
Este texto procura mostrar que o poliamor, que a priori parece uma perspectiva de vanguarda, uma saída para novas formas de amar sem o sentimento de posse e exclusividade habitual no amor romântico, na verdade vem ao encontro da dificuldade do homem pós-moderno de amar, de se entregar ao amor que é sempre um risco. O poliamor garante a disponibilidade de afeto e sexo sem esse risco, e o isenta de uma suposta solidão vivenciada pelo casal monogâmico. Enfim, o poliamor parece contemplar a simbologia líquida postulada por Zygmunt Bauman do superficial, do desapego, do efêmero da pós-modernidade.

O amor recíproco não deve ser fundado em qualidades quaisquer, mas em desejos ou interesses que a própria pessoa considera decisivos para sua autocompreensão/ autossiginificação (Axel Honneth).

O termo Poliamor (do grego " poli = muitos ou vários, e do latim " amoré = amor) é a prática, o desejo, ou a aceitação de ter mais de um relacionamento íntimo simultaneamente com o conhecimento e consentimento de todos os envolvidos (Wikipédia, 2016). A priori pode parecer que o indivíduo não se cabe de tanto amor, e, em razão disso, precisa socializá-lo, distribuí-lo generosamente entre os seus vários parceiros, sem o intrínseco sentimento de posse, ciúme e exclusividade do casal monogâmico.

Na realidade, o poliamor sugere ser uma tendência pós-moderna, não mais do “sexo por sexo ou sexo puro” (Bauman, 2004), sem compromisso, vulgar e intensamente praticado do “ficar” ou “fast food”1 sexual na atualidade, mas o sexo que se mescla com algum conhecimento e envolvimento emocional dos parceiros. Nessa ótica, um número cada vez maior de observadores acredita que, amigos e amizades desempenham um papel vital em nossa sociedade altamente individualizada. Com o desmantelamento das tradicionais estruturas de apoio social, as relações tecidas a partir da amizade podem se transformar em tábuas de salvação (Bauman, 2005).

Entretanto, não é de se estranhar porque o poliamor, de algum modo, sempre esteve presente na contemporaneidade, marcadamente mais forte nas culturas machistas que privilegia o macho tolerando o seu habitual exercício do adultério. O cidadão tem mulher e filho/s bem enquadrado no modelo consagrado pela cartilha da família cristã, mas, na clandestinidade, por vezes não tão invisível ou num jogo de faz de conta, no qual a “matriz” (esposa) finge que não sabe que o seu marido tem “filial” (amante). Para Freud (1908/1976, p.200), “essa moral sexual ´dupla` que é válida em nossa sociedade para os homens é a melhor confissão de que a própria sociedade não acredita que seus preceitos possam ser obedecidos”.

A dinâmica do poliamor, de fato grupal, parece formalizar e visibilizar um tipo de relacionamento que é o sonho de vida sexual de muita gente. Porém, não muito aceitável para mulher que adere a essa modalidade afetivo/sexual, porque foi educada para o amor romântico, na expectativa que, de preferência, tenha pouca ou nenhuma experiência sexual. Assim como para pertencer e honrar um único companheiro, seu esposo, reproduzindo e reforçando a imagem da sua santa mãezinha, mas, sem o mesmo nível de exigência para o seu parceiro. Até porque, a alta rotatividade de alcova do homem, devido a uma suposta acentuada virilidade, atenua ou elimina sua culpa de ser extremamente vulnerável aos “encantos” do sexo oposto. Isso, na visão do senso comum, lhe confere status de ser muito macho, acima de qualquer suspeita, e assim, sem arranhar essa sua imagem, poderá vivenciar outras sexualidades, até mesmo a homossexualidade.

Embora pareça predominar no poliamor a poligamia, que faz lembrar o primitivismo tribal ou coronelismo, de reprodutor superviril com várias mulheres, entretanto sugere uma igualdade de gênero, no qual as mulheres vivenciam a poliandria, uma mulher com vários homens. O sujeito “traumatizado submete-se à sua história ou dela se liberta utilizando-a. É essa a sua escolha: compulsão a repetir ou a se libertar”(Cyrulnik, 2006, p.123). No caso do poliamor, o trauma pega a via da pretensa libertação, pois tudo leva a crer que seus adeptos, pelos menos os mais maduros, certamente, tiveram alguma experiência de decepção amorosa, e os mais jovens embarcam no poliamor motivados pela liberdade quantitativa do sexo: muitos parceiros, dentro da legalidade e permissividade legitimada pelos envolvidos numa triangulação etc., fechada ou aberta.

Ao adentrar o mercado de trabalho e, por conseguinte, ter conquistado alguma liberdade sexual, a mulher independente com vida sexual ativa simultaneamente com vários parceiros já não é mais considerada profissional do sexo, estreitando, assim, a distância entre a “santa” e a “puta”. Nesse sentido, “a própria raiz do adjetivo ´virtuosa` pressupõe que a mulher só tem valor se ligada a um homem. A mulher que gera seu próprio valor, como sedutora ou como bruxa, é má” (Schapira, 1995, p.110). A mulher com vários parceiros, do contrário do homem que é enaltecido por essa sua suposta macheza, é remetida, mesmo que essa sua vivencia não seja intermediada pelo financeiro, a condição de prostituta, o mais baixo nível da sua desqualificação.

A prostituição na Grécia e na Roma antigas, fora dos recintos do templo, ou seja, da prostituição sagrada, era esporte cruel e brutalizante. A degradação da prostituição profana que, representa o lado negro da sexualidade feminina, era profunda (Qualls-Corbett, 1990). No mundo contemporâneo, devido, em parte, à pílula anticoncepcional, a mulher foi alforriada da obrigatoriedade de chegar ao altar virgem, se aceita até com a barriga já bastante saliente ou grande. Enfim, o homem não mais exige ser o desvirginador da sua futura esposa.

Porém, a mulher ao se emancipar, por vezes, assume a promiscuidade típica do homem, ou melhor, do macho. No entanto, funciona noutra sintonia, não tem a típica divisão emocional do masculino da “santa” e da “puta”. Tipo: “quem amo não posso transar (a mãe/“santa”) e quem transo (a mulher/“puta”) não devo amar”. O corpo do homem é fragmentado. Por causa dessa divisão não se joga inteiro em nada (Muraro & Boff, 2002 - passim). Wright (cit. in Silva, 2010) acredita que em sua forma extrema, patológica, a dicotomização santa-prostituta da mulher, torna o homem incapaz de fazer sexo com a esposa, de tão santa que ela lhe parece. O poder fálico pode facilmente suplantar qualquer tentativa de nivelamento, e é muito delicado subverter a continuidade dessa ordem. Assim, na sexualidade somente por meio de alguma legalidade formal ou implícita, a mulher pode está inteira, ser “puta”, sem culpa. Nos anos 60, a mulher, com certa frequência de parceiro, seria taxada de “prostituta”, e era excluída do convívio das famílias consideradas decentes, mas no poliamor sua liberdade sexual é legitimada pelos homens, seus parceiros, que a respeita e a compartilham.

Sem dúvida, o poliamor, na medida em que sugere ser um avanço ou saída para as relações amorosas, na realidade “cai como uma luva” na dificuldade de amar do homem pós-moderno. O sujeito do poliamor ama a todos, sem correr o risco de amar alguém profundamente. Esse desprendimento antiposse de amar não tem picos de catarses afetivas, e, em vista disso, não se esvazia, garante um não lugar para a monotonia e a solidão a dois do amor romântico. Na verdade, “o casal não é o contrário da solidão: é um modo de vivê-la juntos, sem negá-la ou renegá-la, sem aboli-la ou traí-la”(Comte-Sponville, 2009, p.44).

Em tese, o poliamor é um investimento grupal economicamente garantido e farto, nunca lhe falta quem, nessa negociação, possa lhe atender às necessidades e/ou vontades afetivas e/ou sexuais. Mais do que pensar o poliamor como um movimento transgressivo, é preciso compreender as questões emocionais e afetivas que levam as pessoas a esse tipo de relacionamento. Uma dificuldade de amar por tudo que esse sentimento, numa relação de parceria monogâmica, implica. Assim, se torna mais fácil diluir esse amor, do que apostar e centrar todas as “fichas”, de se ariscar e depender de uma única criatura. Na visão de Žižek (2013, p.103), “apenas o amor verdadeiro é transgressivo e proibido”. Seria verdadeiro esse amor compartilhado entre vários parceiros? Esse sujeito que está para todos consegue se entregar totalmente? Todos ficam com a garantia das “partes de amor” uns dos outros, o que carrega consigo ou o preenche é o somatório dessas partes. Enfim, pode não ter acesso ao amor pleno e singular de todos os parceiros, mas nunca se depara com a solidão de não ter amor ou sexo algum. 

Decerto, “amar é reconhecer libidinalmente, e no corpo do outro, o nosso passado social e nossas aspirações sociais” (Illouz, 2011, p.147), é sempre um risco, sobretudo, uma incerteza permanente, pois se trata de uma hipoteca baseada num futuro incerto e inescrutável. Por outro lado, há a vontade de cuidar e preservar o objeto que é cuidado. Quem ama se expande se doando ao ser amado (Bauman, 2004 - passim). Sartre (cit. in Posadas, 2001, p.23), “considerava que o amor é o encontro de duas liberdades e que, portanto, era algo extremante difícil de conseguir”. Na visão de Arditi (cit. in Illouz, 2011, p.158), “amar significa apreender o outro de maneira direta e indireta”, é um relação que nos desampara, mas que também nos recria (Lacan, cit. in Safatle, 2015). Contudo, essas ideias românticas muito conhecidas, não devem ser por isso, simplesmente, descartadas (Illouz, 2011).

Quando amamos alguém, atribuímos a essa pessoa um significado que deriva de a vivenciarmos como um todo (Illouz, 2011), com todas as positividade e vulnerabilidade que esse sentimento cataliza. O poliamor seria uma garantia para não sofrer por amor e não passar por privação afetiva e/ou carência sexual. Ter esse amor assegurado em vários depósitos (parceiros) que poderia ser assim sintetizado: “não dou o todo do meu amor, mas tenho uma boa quantidade da soma desse rateio em retorno”. Assim, não se sabe o que é solidão, não sofre pelo pouco rendimento ou pela falta ou falha desse depósito numa única pessoa.

Um tipo de amor que os gregos chamavam de ágape, “estimula a formação de uma comunidade, a menor comunidade que pode existir na sociedade, a de dois indivíduos que se conhecem, escolhem-se livremente, se amam e se aceitam como são” (Posadas, 2001, p.22). O amor de casal demanda, numa relação saudável, adaptações e ajustes constantes, na relação neurótica se polariza, se mistura ou se alterna entre domínio e submissão. Algum nível de maturidade, satisfação sexual e gratificação afetiva asseguram o relacionamento, e, por conseguinte, sobrevive à fase da paixão e do desencanto para se tornar amor, perceber o outro como diferente. Amar com conhecimento de causa da maioria dos “defeitos” do outro, aceitá-lo sem o desejo de transformá-lo numa outra pessoa. Em síntese, se entregar ao amor por uma única e exclusiva pessoa, a clínica psicológica, havia tempo, que confirma não ser fácil, em especial numa cultura que instigam o consumo, a mudança, o prazer imediato, a negação ou anulação da dor, isso reflete num baixo linear de tolerância que resulta em contatos superficiais com constantes trocas de parceiros.

Para Fromm (cit. in Bauman, 2004, p.63), “o sexo só pode ser um instrumento de fusão genuína " em vez de uma efêmera, dúbia e, em última instância, autodestrutiva impressão de fusão " graças a sua conjunção com o amor”. Na visão de (Cyrulnik, 2006, p.105), “o primeiro amor é uma segunda chance, o segundo amor, uma terceira chance, e os amores seguintes são um azar, pois não dão tempo para outras aprendizagens”. É provável que reste o aprendizado do descrédito, do esfriamento ou embotamento emocional. Enfim, da construção de uma couraça para se proteger da vulnerabilidade de amar e, por vezes, até para justificar a vulgaridade sexual de que “enquanto não aparece a pessoa certa, se diverte com as erradas”.

Decerto, “Eros move a mão que se estende na direção do outro. [...] Assim, a tentação de apaixonar-se é grande e poderosa, mas também o é a atração de escapar” (Bauman, 2004, p.23). Talvez, o poliamor seja essa tentativa de escapar, evitando o risco na multiplicidade de parceiros. Não no clima de tensão, excitação e infantilismo que caracteriza a traição, mas na paz da permissiva que o poliamor autoriza. Ninguém completa totalmente o outro. Logo, se faz necessária uma estrutura emocional para lidar com essa incompletude. O poliamor pode ser uma tentativa de fugir do enfretamento com as “faltas” e as incertezas inerentes às relações monogâmicas. Afinal, “investir no relacionamento é inseguro e tende a continuar sendo, mesmo que você deseje o contrário” (Bauman, 2004, p.30). Com um tanto de exagero o autor conclui que “é um dor de cabeça, não um remédio”.

Nos dias de hoje, “viver junto” dura, na Grã-Bretanha, em média dois anos, 40% dos casamentos terminam em divórcio, e nos Estados Unidos é de um para cada dois. Assim, nos EUA se institucionalizou o projeto de contratos de casamento renováveis a cada dois anos (Bauman, 2005). Na opinião de Savage (cit. in Bauman, 2005, p.152), “as relações renováveis podem ser a resposta para aqueles que se sentem cada vez mais desconfortáveis diante do compromisso total”. O poliamor parece ir mais longe, não tem tempo contratual - não deixa tão evidente a necessidade do casamento, até porque, no momento atual não existe no ocidente casamento poligâmico -, pois se renova a seu bel prazer.

Na ótica de Baumam (2012), o conteúdo essencial para tornar um relacionamento “significativo” tem mudado de modo considerável e drástico, nos últimos trinta ou quarenta anos. Assim, “a ´intimidade` de que se abriu mão talvez fosse mais satisfatória, porém consumia tempo e energia, e era cheia de riscos” (Baumam, 2012, p.225). O autor acrescenta ainda que “a ´intimidade` que a substituiu sem dúvida é mais rápida, não exige esforço e é quase livre de riscos, mas muitos a consideram menos capaz de saciar a sede de companhia plena (p.225). Nessa perspectiva, os relacionamentos considerados “significativos” passaram, portanto, da intimité - intimidade - para a extimité - extimidade (Tiresson, cit. in Baumam, 2012). O poliamor parece se encaixar no relacionamento extimidade, em razão de que seria pouco provável se ter uma profunda é significativa afetividade e intimidade, indiscriminadamente, com todos os membros do grupo de parceiros.

Finalmente, “devemos hoje mais do que nunca insistir no amor, e não na simples satisfação, como ponto essencial: é o amor, o encontro de Dois, que ´transubstancia` o idiotismo do gozo masturbatório num acontecimento propriamente dito” (Badiou, cit. in  Žižek, 2014, p.38). A dificuldade de amar lança as pessoas numa busca desesperada do prazer sexual que não sacia nunca, porque o sexo sem amor não completa. Sexo pelo sexo é a junção de vazios que logo se ver tomado pela vontade da repetição, “um saco sem fundo”, que não enche nunca. Para Todorov (cit. in Comte-Sponville, 2007, pp.43-4), “façam o que fizerem os libertinos, façam o que fizerem os misantropos, a humanidade só e completa a dois”, e é por isso que é o casal “que salvará o espírito” (Badiou, cit. in Comte-Sponville, 2007, p.44). Todavia, “o amor, mesmo o mais fraco, o mais doentio, vale mais que alguma onipotência que fosse sem amor” (Comte-Sponville, 2007, p.45), ou, como Caetano Veloso diz: “Qualquer maneira de amor vale a pena / Qualquer maneira de amor valerá”.

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A religião do futuro será cósmica e transcenderá um Deus pessoal, evitando os dogmas e a teologia.
(Albert Einstein)